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Crítica do espetáculo: Solidão A Comédia

UM MONÓLOGO SOBRE A SOLIDÃO

O que pode ser mais solitário do que um ator num palco interpretando um monólogo sobre a solidão? Só mesmo a solidão do diretor. Eu acho, pelo menos. E a gente ri, debocha do personagem, da situação, da vida. Como na vida.

Vicente Pereira, que Deus o tenha, foi um catalisador deste sentimento de fim de século/fim de milênio que nos cerca e preeche: estamos todos sós. Miseravelmente reunidos, apertados uns contra os outros, enchendo cada milímetro deste planeta. Mas continuamos sós.

Nada de “gente” na lua. Nem o ET sobrevivente de Varginha para dizer ao menos como é no lugar de onde ele veio. Nada. Nada. Só a gente lutando para fazer dinheiro, ir ao mercado, pagar a conta do celular e, quando em vez, sonhar um pouco, através da Net de preferência, para não ter de sair de casa.

Pois a verdade é que, nestes tempos de Internets, Bill Gates, réveillons de ano 2000 e outros quetais, andamos de quatro dentro de nossas cavernas mentais. E não achamos a saída.

Engraçado é que contamos os dias, mesmo que forçados pela Globo, para os tais 500 anos do descobrimento desta terra em que se plantando tudo dá. E daí? O que é que a gente fez de mais nestes 5 séculos? Aprendeu a ser mais solidário? Aprendeu a repartir? Aprendeu? Aprendeu?

O cinemeiro que levou cano da namorada e que se masturba (êta ato solitário mais frustrante… apesar de eficiente, é verdade…) é uma variação do bem-casado que sonha com amante dez vezes melhor que o original que o acompanha.

A infeliz que tem prurido anal e que bebe para lembrar e não para esquecer e que aceita um cara-metade (literalmente, já que tem a metade do tamanho dela) é o contraponto de quem sai pela noite caçando e abatendo. E acorda de manhã com aquele gostinho de guarda-chuva na boca. Ou de outras coisas, também…

O milionário babaca que anseia pela cor de uma violenta ruptura na vida – e bem que podia ser o suicídio da mulher – não se diferencia do tipo que faz festas “intimas” para 2 mil pessoas em Punta del Este e precisa espalhar filhos pelo mundo para garantir que está vivo.

E a putana portenha? Por Diós, que dolor! Sozinha, sozinha, com a casa povoada de recuerdos. Mas, de todos os personagens, a mais transgressora – a que aceitou o jogo da vida sem maquilar a realidade com grinaldas de diamantes e noites de núpcias.

O fecho deste mundo desbragadamente triste, e, enquanto triste, sujeito ao riso, só poderia o que fecha o ciclo da vida. O velho, aquele que já experimentou. Que, teoricamente, já pode refletir sobre alguma coisa. E cabe a ele carregar toda a nostalgia de tempos que de bom e bonito só tem aparência. Choramos, então, sem culpa, quando ele entrega o amigo

(seu complemento? Seu alter-ego? Seu duplo?) de volta ao pó. Pó da estrada. Pó das estrelas.Do ator que se divide em cinco pontas, como uma destas estrelas que ilustram livros infantis, se exige o dom da multiplicidade sem a perda da unidade. Complicado? A vida também é. É preciso estar atento ao que cada personagem lhe assopra ao ouvido.

E estes mortos-vivos vão dizendo mais ou menos assim: agora, faz “eles”rir amarelo, que é prá não haver dúvida sobre a seriedade do momento. Risada desatada? Deixa prá daqui a pouco, antes da paulada seguinte, que é prá não dar muita depressão nessa gente. Isso, assim. É hora de puxar o sentimento. Ora bolas: todo mundo é feito deste material vagabundo que, um dia, se rasga como filó. E que precisa ser devolvido à natureza. Então, nada de sentimentalismos baratos.

Carlos Paixão. Um ator que se move pela capacidade de enxergar o espaço entre as linhas do texto. E, neste espaço, criar. Sem medo de erro. Desta vez,, porém, ele é cinco. E há que conter impulsos e canalizar o riso e a emoção em doses certas. Tirando as simpatias pessoais (ou tentando fazer isso, o que é difícil paca), pelas criaturas de Vicente Pereira, tem gente que tem luz própria quando termina o eco do sinal da ação. A puta decadente e conformada e o velho que pranteia o amigo moribundo, então, me parecem a dupla de ouro neste carteado.

Ela, porque exacerba sua humanidade, e, assim, se faz carne diante da gente. A razão desta vitalidade? Talvez porque o ator a alimente com uma química de solidariedade a esta que viveu servindo e que hoje nem uso mais tem. Ele, que também chegou ao fim da vida, ou está chegando lá, olhando para trás enquanto pede que o amigo olhe para frente, este homem também nos testa. É a morte, a ceifeira, que ele nos traz, ao final do encadeado de monólogos. E quem quer pensar na morte, depois de rir de um atônito, de uma romântica, de um vaidoso e de uma puta de bom coração?

Aí se fala em quem ficou sozinho, tanto tempo, olhando do escuro para a luz, e fazendo, como Deus: soprando aqui, raspando ali, enxertando acolá para dar verdade às criaturas esboçadas pela pena de um autor. E é ele. O diretor Nilton Filho.

Um trajeto que parece ir em linha reta, na direção de um minimalismo cênico que não perdoa um fio de peruca fora do lugar. E que cada vez mais instala seu bunker de trabalho (seria sua ilha?) suspenso no tempo e no espaço por três elementos: a palavra/ação, a luz e o som.

A palavra reduzida ao som. Som com melodia. Sem gratuidades, voltado para a ação, para a soberana figura do personagem guiado pelo ator.

A luz criando a ilusão da realidade. Nada de adereços para poluir, criar poeira na cena. Espaço aberto para a imaginação. Um teatro para o fim de século. Ou começo de milênio, como se queira designar.

Texto de Maristela Bairros
Jornalista Editora de Cultura /Crítica de Teatro.